Gabriella Ceraso - Cidade do Vaticano
O chefe do Departamento das Relações Externas do Patriarcado de Moscou, Metropolitan Hilarion, está em Roma por ocasião do IV aniversário do histórico encontro entre o Papa Francisco e o patriarca de Moscou e toda a Rússia Kirill realizado em Havana. Na quarta-feira ele teve um encontro com o cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, na Conferência e no Concerto sobre o tema dos Santos - Sinais e sementes da unidade.
Já na manhã desta quinta-feira, 13, no Vaticano, foi recebido em audiência pelo Papa Francisco e, à tarde, Hilarion apresenta ao público romano a tradução do livro "Morte e Ressurreição", o último de uma série que faz parte da coleção "Jesus Cristo. Vida e Ensino", publicada nos últimos anos.
O Vatican News conversou com ele na véspera da audiência com o Santo Padre e ao final do encontro do Grupo misto que no Vaticano fez um balanço dos projetos culturais e sociais que as duas Igrejas vêm realizando há quatro anos, para a implementação dos principais conteúdos da Declaração Conjunta assinada em Havana, em 12 de fevereiro de 2016, pelo Papa e pelo Patriarca Kirill.
Quais são os seus sentimentos de estar aqui em Roma após as etapas cumpridas em Freiburg, Viena, Moscou nos anos precedentes, e o que aconteceu até agora neste caminho conjunto?
R. - Roma para nós é uma cidade que está ligada à memória dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e cada vez que viemos aqui, experimentamos um sentimento muito particular ao tocar quase a história antiga do cristianismo. Mas a história do cristianismo continua e somos partícipes, ou antes ainda, criadores dessa mesma história. Exatamente quatro anos atrás, em Havana, o Papa Francisco encontrou o Patriarca Kirill e foi a primeira vez na história que um Pontífice romano encontrou um Patriarca de Moscou. Definimos aquele encontro como “histórico”, não somente porque foi o primeiro do gênero, mas porque aquele encontro abriu uma página totalmente nova nas relações entre a Igreja Ortodoxa Russa e a Igreja Católica Romana. E a tarefa do nosso Grupo Misto – à frente do qual estou eu e também o cardeal Koch - é colocar em prática o que foi dito e acordado pelo Papa e pelo Patriarca. Atualmente, temos dois tipos de colaboração nesse grupo: a colaboração cultural e a colaboração em projetos sociais mistos. Esta foi a ocasião para discutir os projetos que iremos implementar este ano e no próximo ano.
Hoje seu encontro com o Papa Francisco: quais são as expectativas?
R. - Encontrei o Papa Francisco várias vezes. Nosso primeiro encontro realizou-se no dia seguinte à sua posse na Cátedra de São Pietro. E durante todos os nossos encontros falamos sobre o estado de nossas relações bilaterais e os projetos que podemos colocar em prática. Certamente concretizaremos os projetos que já discutimos com o cardeal Koch, especialmente nossos projetos humanitários no Oriente Médio. Nossa prioridade é um projeto que consiste em ajudar crianças sírias que, que por causa das hostilidades, perderam uma mão, ou um pé ou alguma outra parte do corpo. É um projeto bastante complexo e muito caro, pois não se trata apenas de fornecer uma prótese, mas de organizar uma reabilitação completa que ajude essas crianças a se integrarem à sociedade. Gostaria que esses projetos estivessem no centro de nossa colaboração, projetos que levem ajuda aos sofredores, aos doentes e, sobretudo às crianças, porque acredito que precisamente esses projetos são a realização do que o Papa e o Patriarca conversaram em seu encontro em Cuba, mas também sobre o que o Salvador Jesus Cristo nos pediu a todos os católicos e ortodoxos.
A situação no Oriente Médio, pela qual os apelos do Papa se sucedem, também é motivo de preocupação para a Igreja Ortodoxa Russa?
R. - A Igreja Ortodoxa Russa compartilha plenamente esta preocupação do Papa e essa preocupação, para dizer a verdade, foi a principal razão do encontro do Papa com o Patriarca há quatro anos. No Oriente Médio, existe praticamente um genocídio de cristãos. Durante muito tempo, a mídia e os políticos ocidentais preferiram não ver e não falar sobre isso, e precisamente o Papa e o Patriarca estiveram entre os primeiros a dizer que essa situação era uma ameaça, procurando atrair a atenção da mídia mundial. Devemos fazer todo o possível para preservar a presença cristã no Oriente Médio.
Qual é o valor e o significado da santidade, que é o tema da conferência em Roma? O que os Santos representam para a Igreja Ortodoxa Russa?
R. - Sabemos bem que o pecado divide e a santidade une. A principal causa da divisão entre os cristãos é, acima de tudo, o pecado humano. Em vez disso, a experiência da santidade une os cristãos, e isso foi mencionado na Declaração conjunta do Papa e do Patriarca, sobretudo na parte dedicada aos mártires. Um antigo autor eclesiástico, Tertuliano, disse que o sangue dos mártires é a semente da Igreja. Ambas as nossas Igrejas têm uma história secular de martírio e posso dizer que o século XX foi um século do martírio para milhões de católicos e fiéis ortodoxos. O professor Andrea Riccardi, em seu livro 'O século do martírio', mostrou bem a escala da perseguição contra os cristãos em diferentes países e, infelizmente hoje, as perseguições contra os cristãos continuam, e os especialistas dizem que o cristianismo é a religião mais perseguida, apesar de ser a mais difundida. E nessa situação, considero que a colaboração entre católicos e ortodoxos se torne cada vez mais atual. Eu chamo essa colaboração de uma "aliança estratégica" entre católicos e ortodoxos. Fazendo uso dessa expressão, quero dizer que hoje não podemos resolver todos os problemas teológicos e eclesiológicos, porém nada nos impede de trabalhar juntos e de nos sentir aliados e amigos. E para nos sentir assim, não precisamos de nenhum acordo ou compromisso teológico, nem mesmo de união eclesial, mas somente de boa vontade. Devemos entender bem que o futuro do cristianismo está em nossas mãos. Porém hoje o cristianismo no mundo é frequentemente se encontra em contextos muito hostis e, portanto, para preservar o cristianismo, precisamos aprender a agir juntos. E isso não diz respeito somente ao Oriente Médio, mas também à Europa e América do Norte, onde os valores cristãos são frequentemente criticados, questionados ou mesmo eliminados do espaço público. Devemos aprender a defender nossos valores, como por exemplo o matrimônio, entendido como a união entre homem e mulher, destinada à procriação; devemos defender a santidade da vida humana desde o momento da concepção até a morte natural; devemos enfrentar juntos a propaganda do modo de vida amoral que hoje infelizmente é apresentado pela mídia e pelos altos representantes das sociedades civis. Mencionei apenas algumas áreas em que temos perspectivas muito amplas de trabalho conjunto.
Os Santos em tudo isso nos protegem, nos guardam? É belo pensar em rezar pela unidade ...
R. - Acreditamos que os Santos estejam presentes em nossa vida, ouvem nossas orações e nos ajudam em nosso trabalho comum. Cito um exemplo bem conhecido, o caso de São Nicolau, o Santo mais venerado pela Igreja Ortodoxa Russa e cujas relíquias são preservadas na cidade de Bari, e milhares de fiéis da Igreja Ortodoxa Russa veneram essas relíquias sagradas todos os dias. E para o Dia da festa de São Nicolau, de acordo com o Calendário Juliano, milhares de fiéis russos chegam para esse dia e, especificamente para essa ocasião, existem muitos voos fretados da Rússia que enchem o aeroporto de Bari. Quando o Papa encontrou o Patriarca, pediu a ele para transferir temporariamente uma parte das relíquias do Santo para a Rússia. Durante os dois meses de permanência das relíquias em Moscou e São Petersburgo, mais de dois milhões e meio de fiéis foram venerá-las. Esse foi um testemunho muito claro de como um Santo pode unir Ocidente e Oriente e nos ajudar em nosso caminho.
Qual é a mensagem que o senhor quis deixar com a coleção "Jesus Cristo. Vida e Ensino ", que é apresentada nesta quinta-feira com seu último volume "Morte e Ressurreição"?
R.- Há alguns anos, li o livro de Bento XVI sobre Jesus de Nazaré. Ao folheá-lo, tive a ideia de escrever um livro sobre Jesus. Inicialmente pensei que seria apenas um volume, mas depois vi que havia muito material e assim, durante dois anos e meio de trabalho, escrevi um livro em seis volumes com o nome comum “Jesus Cristo. Vida e ensino". O primeiro volume é dedicado às fontes das quais conhecemos a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo, bem como seu nascimento e o início de seu ministério público. O segundo volume, que já foi publicado em italiano, é inteiramente dedicado ao Sermão da Montanha e ao ensino moral de Jesus Cristo. O terceiro volume é dedicado aos milagres de Jesus: eu examino cada milagre em particular e explico o que esses milagres podem significar para o cristão contemporâneo. No quarto volume, falo das parábolas de Jesus, interrogando-me sobre o motivo pelo qual Jesus usava as parábolas e depois examino as particularidades individuais e digo o que o conhecimento das parábolas de Jesus Cristo pode dar ao homem moderno. No quinto volume, levo em consideração o material original do Evangelho segundo João, isto é, o material que não faz parte dos outros três Evangelhos. Por fim, no sexto volume, que acaba de ser publicado em italiano, é dedicado à Paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo e, neste último volume, trago o resultado do meu trabalho, respondendo à pergunta do por que a morte de Jesus Cristo na Cruz foi uma morte expiatória e por que o Credo na Ressurreição de Jesus Cristo é tão significativo para a fé cristã. Em cada um desses seis volumes, olho para a pessoa de Jesus Cristo a partir do contexto histórico de seu ministério público, mas ao mesmo tempo presto muita atenção ao texto e também me dedico à análise e à comparação dos textos de todos os Evangelhos. Em cada volume também faço a análise teológica da vida e do ensino de Jesus Cristo. Digamos que meu objetivo principal era apresentar a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo ao leitor moderno a partir de fontes históricas, da exegese dos Padres da Igreja e do significado que essa vida e esse ensinamento têm na vida de um cristão moderno.
Portanto, uma forma de nos fazer sentir mais próximos de Cristo?
R. - Exatamente!